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Cibele Haas

Quando a tristeza não queria ir embora

Sempre me considerei uma pessoa bem-humorada, alguém que conseguia ver o lado bom das coisas quase como um hábito, mas em algum momento da minha vida isso mudou. Não me lembro bem quais os primeiros sinais, mas lembro de me sentir diferente. Uma tristeza natural, que faz parte da vida, por expectativas frustradas, o fim de um longo relacionamento e uma insatisfação no caminho profissional que seguia até então acabaram se prolongando mais do que era normal. Eu me sentia um peso para o mundo, tinha uma desesperança e uma tristeza dentro de mim que parecia não caber. Lembro de pensar assim: “Será que eu sou assim agora?” É um processo um pouco solitário, se eu mesmo não entendia o que estava acontecendo não conseguia dividir, também pelo medo do julgamento. Sim, muitas vezes ao compartilhar que estava me sentindo diferente, que tinha uma dor e um vazio imenso eu ouvia das pessoas: “mas você tem tudo, não tem porquê estar assim”, “você tá precisando rezar mais, confiar em Deus”, ou “vai ajudar os outros, ver que tem gente em situação muito pior que a sua”… E foi nesse processo que eu fazia trabalho voluntário aos domingos quase o dia todo, em dois lugares diferentes; eu rezava, frequentava uma fraternidade espírita e um templo budista. Eu me culpava porque eu tinha tudo, como estava sendo ingrata por sentir aquilo. Mas nada disso funcionava para me tirar daquele lugar tão cinza em que eu estava vivendo. Acabei me isolando e respondendo que estava tudo bem a muitas mensagens que recebia, porque não me ajudava ser mais julgada e também não queria incomodar.


Nesse processo já fazia terapia, mas era completamente resistente à medicação e psiquiatra era coisa de doido, não é mesmo? Eu tinha insônia, falta de energia e uma desvalia que me fazia ter vergonha de estar entre as pessoas. Chorava por horas sem aliviar aquela sensação de tristeza. Pensava que a única solução era morrer e isso era muito contraditório para mim, já que na minha crença a morte do corpo não mata o espírito que continua sua jornada evolutiva, ou seja, não tinha solução! Foi no processo de terapia que me convenci de que eu precisava me tratar e parar de me punir com todo julgamento externo. Foi na terapia que todos aqueles sentimentos ganharam nome e entendi que estava vivendo a depressão. Só eu sabia como era estar naquele lugar e não precisava convencer ninguém. Comecei um tratamento com um psiquiatra que durou 6 meses e já nos primeiros meses parecia que tinham limpado meus óculos e via a vida em cores novamente. Tive mais energia para tomar atitudes e clareza para perceber outros cenários e muitas possibilidades. Até hoje sinto angustia quando relembro esses momentos, meus olhos se enchem de lágrimas e tenho vontade de me abraçar.


Passar por esse processo me deixou alguém muito mais sensível ao sofrimento do outro, mais atenta às minhas palavras e julgamentos. Sei que ouvimos muito isso, mas é verdade que a depressão não tem rosto, ela pode acontecer com qualquer um. Aprendi a não medir a dor de ninguém, só quem sente sabe como sente e quanto sente. Precisamos de compreensão e acolhimento. Entender que aquilo era uma doença e que eu podia e devia me tratar foi libertador. Infelizmente as doenças mentais ainda têm muitos estigmas e não são tratadas com a seriedade que merecem. Não é à toa que a depressão atinge níveis cada vez mais altos e por isso é urgente falar sobre isso.

Cibele Haas
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